Memórias

➤ Enterro do Ano Velho / Deixas
"Esta atividade foi criada há décadas na aldeia de pias. O protagonista deste evento foi o Sr. Augusto Amaral que um dia se lembrou de tal brincadeira e tentou que o seu neto Rui Amaral e restantes amigos levassem o seu projeto em diante.
Arregaçavam as mangas e começavam por criar o “Ano Velho” e o “Ano Novo” (bonecos feitos de palha de centeio) para as cerimónias fúnebres do ano velho, que era levado numa padiola.
Feitos os bonecos era tempo de preparar o “enterro”. Assim escolhido o padre, que com as suas vestes acompanhava toda a cerimónia fúnebre, os quatro homens que levavam a padiola com o ano velho e os restantes habitantes faziam o cortejo que tinha por hábito percorrer as ruas da aldeia.
Os participantes juntavam-se e davam o início do cortejo fúnebre, faziam-se acompanhar de tachos ou testos com o intuito de chamar à atenção daqueles que nessa noite estavam em família, sentados à lareira a comemorar a despedida do Ano Velho e a chegada do Ano Novo. Percorrido o lugar, o cortejo seguia até Cinfães onde era recebido por centenas de pessoas.
Era hábito o ano velho ser transportado na camioneta do Sr. Martinho onde também iam muitos dos que pretendiam acompanhar a cerimónia.
Na vila ninguém dormia antes que o enterro do Ano Velho chegasse. Este era o auge da noite. Percorridas a ruas da vila, aplaudidos por centenas de pessoas, era tempo de regressar a Pias.
 Assim que chegassem dirigiam o cortejo à Capela do Outeiro (Sagrado Coração de Jesus), onde ambos eram depositados junto à porta, em seguida tocava-se o sino a rebate e aguardava-se o dia seguinte.
No dia de Ano Novo, no final da missa o grupo encarregava-se de transportar o ano velho até ao meio do lugar (terreiro de Pias) e o mesmo era queimado. No final da queima, era tradição os rapazes solteiros do lugar construírem “deixas” para as raparigas solteiras e vice-versa."


➤ Entrudo
"No entrudo havia uma semana dedicada à comadre e uma outra dedicada ao compadre.
Nessa semana as raparigas tratavam de fazer um boneco de palha que no final era vestido com roupas confecionadas pelas mesmas.
O mesmo acontecia com os rapazes que também eles construíam uma comadre em palha e vestiam-na com algumas roupas arranjadas para o efeito
Por norma todos os fins-de-semana haviam bailes, ora no terreiro de Pias, ora na garagem do Sr. Martinho. O espaço era decorado com mimosas, fitas e confetes.
A determinada altura, surgia no baile um reboliço que se devia ao facto de alguém já estar fora do salão com o compadre ou com a comadre na mão, prontos para iniciarem a corrida aos mesmos.
Ou seja, os rapazes mostravam a comadre às meninas e estas tentavam correr atrás dele, com o intuito de lhes retirar a comadre e protege-la do fogo já que este seria o fim dela.
O mesmo se fazia ao compadre depois de muita luta ganhava aquele que conseguisse apanhar o boneco ou boneca e ganhava assim a equipa adversária.
No final o(a) boneco(a) que fosse apanhado teria como destino, a destruição no fogo.
Feito isso prosseguia o baile até ao início da noite.
Era também habitual no domingo de Carnaval fazer-se um baile de máscaras e a corrida ao touro, onde 4 homens se juntavam e eram cobertos por 2 ou mais mantas, eram colocados uns chifres no cima da cabeça, e um rabo na traseira.
E assim divertia-se o povo que se aglomerava no terreiro de Pias para assistirem à corrida do mesmo. Esta corrida era feita à volta das pessoas que se encontravam a assistir.
No final, depois de descobertos quem eram afinal os toureiros, a tarde continuava ao som da música que acompanhava o evento."

➤ Páscoa
"Esta época em pias era marcada pelo regresso das gentes da terra.
O Domingo de Páscoa começava com todas as pessoas a despertarem mais cedo. As donas de casa apressavam o almoço onde a preferência é o cabrito e o borrego e davam os últimos retoques às respetivas casas.
As ruas e as entradas das casas eram enfeitadas com verdura e cobertas com tapetes de flores e plantas aromáticas principalmente alecrim.
Já dentro das salas, escolhia-se a melhor mesa e cobria-se com uma toalha de renda ou bordada onde depois era feita a tradicional decoração para receber a visita do Compasso simbolizando a ressurreição de Cristo e onde a família e amigos beijavam a cruz como demonstração de adoração.
Na aldeia, grande parte das portas estavam abertas onde se trocavam visitas de familiares e amigos, era uma azáfama total onde as pessoas corriam de um lado para o outro.
Os habitantes eram avisados da chegada do Compasso pelo toque do sino.
A Visita Pascal terminava ao cair da noite onde já reinava o cansaço mas ao mesmo tempo e satisfação do dever cumprido com o Senhor e com as famílias.
Era tradicional os habitantes de Pias guardarem os ramos benzidos na missa ou o alecrim utilizado na decoração da mesa que recebe o compasso para em dias de trovoada forte, serem queimados acompanhados por uma oração a Santa Bárbara pedindo que a trovoada fosse para longe.
“Santa Barbara se vestiu, Santa Barbara se calçou, lá no meio do caminho Jesus Cristo encontro. Para onde vais tu o Bárbara! Vou espalhar a trovoada. Para onde não haja pão nem vinho, nem raminho de oliveira nem pedrinha de sal nem nada o que faça mal.”
Era também nesta altura que se juntavam os mais novos e os mais velhos para a Caça aos Ovos."

➤ Maias

"A tradição de colocar Maias nas portas é mais uma tradição que ainda se mantém viva na aldeia.
Todos os anos, de 30 de Abril para 1 de Maio colocam-se nas portas ou janelas das casas ramalhetes de giestas amarelas, também conhecidas por maias por florirem em Maio.
Existem várias explicações para esta prática, todas elas ligadas à religião.
Ou porque quando a Virgem foi para o Egipto, deixou pelo caminho muitos ramos de giesta para não se enganar na volta ou porque quando Jesus Cristo nasceu, os Judeus procuraram-no para o matarem, e, para que soubessem em que casa se encontrava, colocaram-lhe à porta um ramo de giesta, a fim de no dia seguinte o prenderem. Nesse dia porém, todas as casas da povoação apareceram marcadas, e os Judeus não puderam dar com ele.
Talvez por homenagem, esta aldeia tenha iniciado esta prática junta com muitas outras da região.
Seja qual for a explicação, o que é certo, é que a cada dia 1 de Maio continuamos a encontrar estes ramalhetes nas ruas de Pias."

➤ São João
"Por altura do S. João, mais propriamente na noite do dia 23, era hábito colocarem-se em volta dos muros que suportam o adro da capela de nossa senhora do outeiro imensas pinhas a arder, assim como em todo o muro que suporta o caminho de acesso à capela e em praticamente em todos os muros que existiam no interior da aldeia.
Fazia-se uma grande fogueira no adro e outra na estrada, em frente ao tanque público a anunciar a noite de São João.
Noite dentro, formavam-se grupos que se dedicam à “caça” de vasos e outros haveres, como (carros de bois, mesas, cadeiras, utensílios agrícolas) sendo os mesmos trazidos com algum esforço para o terreiro de Pias, onde permaneciam até aos dias seguintes.
À medida que iam sendo identificados, os próprios donos teriam que os levar de novo para o local habitual."

➤ Festa em Honra de Nossa Senhora do Sagrado Coração de Jesus
“Na bonita aldeia de Pias, que aparece luzente no seu casario sito margem esquerda do Bestança, festeja-se Nossa Senhora do Sagrado Coração de Jesus no 2º Domingo de Julho.
Logo nos primeiros domingos do ano em que se realizaria a festa começavam os leilões para obtenção de fundos. Uma vez tinham lugar junto à ponte de Pias, outras na garagem do S. Martinho, em Pias de Cima. Interrompiam-se durante a Quaresma, tempo da Paixão do Senhor, e retomavam depois da Páscoa.
Os Zés Pereiras de Baião anunciavam a festividade logo cedo pela manhã de Sábado atroando os ares tocando com denodo majestosos bombos.
Aos primeiros raios de luz do dia de Domingo lançavam-se uma salva de foguetes. Era a alvorada. As bandas de música perfilavam os seus elementos ao cimo da povoação, na estrada nacional.
Pelas 8h30, alinhava uma banda e vinha a tocar pelo caminho que atravessa a aldeia até ao cômoro onde está construída a capela do Sagrado Coração de Jesus, propriedade da família Barbedo. Quando aí chegava eram lançados foguetes. Era este também o sinal para que a outra banda que ficou na estrada avançasse fazendo o mesmo percurso da outra.
Chegava entretanto a hora da missa e sermão. No final do ofício religioso algumas dúzias de foguetes estoiravam no ar.
Depois de almoço começava o arraial popular no largo fronteiro à capela. As bandas tocavam em coretos alugados para o efeito.
Pelas 18H00 (devido ao calor) saía a procissão. O armador de nome Armando Aires havia previamente arranjado os andores, ornamentando-os com tecidos de cores garridas, macio e lustroso, bolinhas e brilhantes, onde seriam transportados os santos.
O préstito era encabeçado pelos guiões, bandeira da capela e bandeira da paróquia, seguiam-se os andores ostentando o Menino Jesus, Stª Ana, S. José, S. Gonçalo e por último o Sagrado Coração de Jesus.
As bandas de música finalizavam o cortejo entoando acordes apelativos. S. Gonçalo era, nesse dia, apesar de a imagem revelar já sinais de depauperação e a necessidade de profundo restauro, retirado da sua capelinha, sita no seio do povoado, de modo a integrar também o cortejo.
Saia a procissão da capela, subia, atravessando a aldeia, até à estrada nacional e encaminhava-se depois para a ponte de Pias, aí tomava de novo o caminho e subia passando defronte da capela de S. Gonçalo, infletindo junto ao “relógio do sol” de novo para a capela donde havia saído. Dava uma volta ao templo sendo depois os andores no seu interior depositados.
Depois da procissão terminava a festividade.
Numa destas festas, ocorreu um pavoroso incêndio que reduziu a cinzas grande parte da floresta sita a cavaleiro da aldeia de Pias tendo-se extinguido já perto de Sequeiro Longo.”
Monografia do Concelho de Cinfães | Edição da Câmara Municipal de Cinfães, 2000
*A festa volta a acontecer no dia 13, 14 e 15 de Julho de 2018, 31 anos depois da sua última realização.

➤ Vindimas
"Esta era uma altura do ano que se fazia sentir a alegria de toda uma gente, nascida e criada neste pequeno recanto do planeta.
Assim que se avizinhava o mês de Setembro era comum verem-se os vizinhos conversando sobre o tema, quer nos caminhos quer nas tabernas que existiam neste lugar.
Cada família programava a sua vindima, de forma a que todos ficassem coordenados para se poderem entreajudar.
Bem cedo, já se ouviam os cantares em grupo, designados por falsetes, por vezes também se ouvia uma concertina a ajudar à animação.
Depois das uvas cortadas eram transportadas em cestos de madeira às costas, suportados por uma “troixa” que era colocada sobre as costas e presa por uma fita de serapilheira à cabeça, para que a mesma não se soltasse.
Era assim trazido até ao lagar, ou carregado para os carros de bois.
Depois de tudo colocado no lagar era hora de se dar inicio à “sova”, normalmente feita pelos homens e por algumas crianças de casa.
O vinho era pisado por norma 1H30 a 2H00, até que a grainha se soltasse e flutuasse na superfície. Dado o tempo necessário de lagar, o resto era fechado por um cesto para a dorna (reservatório junto ao lagar) e só depois era canalizado para as pipas de madeira. Finalizado este trabalho, aguardava-se alguns dias para que o “canganho” da uva pudesse ficar bem espremido, para que passado 3 dias fosse ensacado e levado para o alambique a fim de poder ser transformado em água ardente."

➤ Desfolhada
"Há alguns tempos atrás, era comum em Pias, fazerem-se desfolhadas na “Eira da Dona Laura Barbedo” marcava-se o dia com os vizinhos, família e amigos e cortava-se o milho com uma foucinha.
À medida que se desfolhava o milho, ia-se amontoando as espigas nos cestos, que depois de cheios, eram carregados no carro de bois para serem despejados na “eira”.
Ali juntavam-se vários amigos familiares, para começarem assim a desfolhada, cantando e tocando animando assim a noite.
A apanha do milho servia para os animais, para encherem colchões, etc.
Os jovens e as jovens participavam entusiasmados na desfolhada, sempre na esperança de encontrar o milho rei (espiga vermelha) para poderem dar um beijo ou abraço ao namorado ou namorada, amigo ou amiga.
Mas, para o poder fazer feliz, o achador, teria que gritar bem alto “Milho rei” e o direito de dar uma volta a todos os amigos trabalhadores, distribuindo abraços.
Antigamente esta era uma oportunidade única para se aproximarem fisicamente dos rapazes ou das raparigas.
Na época, as convenções sociais eram muitas e a vigilância por parte dos pais era muito apertada.
Por norma, quando não eram feitas durante o dia, faziam-se à noite, à luz da candeia, a um ritmo de canto e música.
Era também a altura propícia ao baile.
Apesar do cansaço, as desfolhadas eram sempre motivo de alegria para aqueles que nelas participavam."


➤ Magusto
"Os magustos eram uma constante nas tardes de Domingo, sempre que o Outono era farto.
Os jovens juntavam-se e dirigiam-se até ao Outeiro (monte mais próximo da aldeia) para apanhar a caruma de forma a que no domingo se realizasse o magusto no terreiro de Pias.
No fim de terem comido as famosas castanhas do vale e bebido o seu vinho era tempo de se enfarruscarem e fazerem algumas brincadeiras.
Corriam uns atrás dos outros para ver qual era o que ficava mais enfarruscado.
Era tempo de alegria onde se cantava e dançava até ao anoitecer."


➤ Matança do porco
"Nesta aldeia era tradição as famílias fazerem criação de porcos. Por isso deixavam crescer uma fêmea para que esta reproduzisse e assim abastecesse as casas vizinhas onde cada família era responsável pela criação.
Chegado o inverno era tempo da “matança”. O primeiro matador de porcos do lugar foi o Sr. Avelino de Sá, o mesmo usava uma faca própria para o efeito, mais tarde foi substituído pelo Sr. Alberto “O Fogo”.
Por norma eram sempre precisos 4 a 5 homens para segurar o animal e conseguir mantê-lo preso em cima das tábuas ou num carro de bois onde ia ser morto.
Depois de bem seguro o matador atava-lhe o focinho e espetava-lhe a faca.
Após a sua morte, era tempo de recolher o seu sangue e cozê-lo numa panela de ferro ao lume que iria ser servido com azeite e alho a todos os que ajudaram à sua matança.
De seguida procedia-se à queima do pelo com faixas de centeio para que o couro ficasse bem amarelinho. Assim que estivesse todo queimado dava-se início à sua lavagem que era feita com água, sabão e uma pedra.
Feito isto o animal era pendurado em “chamariz” (pau em forma de V) no teto da adega ou numa loja ou cave. Depois era aberto e retiravam-lhe o bucho e os intestinos.
Desenvencilhavam-se todas as tripas. Lavavam-se e colocavam-se em salmoura um dia. Estas serviriam para a confeção de salpicões e chouriças.
No dia seguinte iniciava-se a desmancha feita pelo matador."

➤ Cozer o pão
"A arte de cozer o pão era uma das lides de casa antigamente aqui na aldeia.
O único pão confecionado era feito de farinha de milho e centeio, produzido e moído na aldeia.
Quase todas as casas faziam no forno a lenha.
No dia em que se cozia o pão a azáfama era grande visto que havia uma serie de tarefas que tinham de ser feitas.
Primeiro juntava-se a lenha para aquecer o forno, depois amassava-se a farinha com sal e fermento caseiro, de seguida, deixava-se a descansar algum tempo no tabuleiro do pão.
Depois de fermentar era novamente mexida e dividiam-se em pequenas porções para formar as broas.
Estando o forno quente, era varrido com uma vassoura de giesta ou gilbardeira para que ficassem apenas as brasas.
Formadas as broas eram tendidas na tendeira, e de seguida colocadas nas pás de madeira que as levava ao forno polvilhadas com farinha. Em cada bola era desenhada uma cruz com a mão.
O forno era tapado para que o calor não escapasse pelas brechas da porta de madeira.
Era hábito percorrer as ruas da aldeia à procura de “bosta” (de vaca ou de boi) para vedar a porta e assim manter o calor do forno.
Findo o tempo de cozedura, o pão era retirado e colocado em cima de uma toalha para arrefecer.
Em seguida o pão era armazenado num armário de madeira próprio para o guardar (maceira de pão) era feito em rede para o pão poder respirar e as moscas não lhe pousar."

➤ Natal
"O Natal na aldeia era caracterizado pela partilha e convívio com a família.
As pessoas deslocavam-se para a aldeia para casa dos seus pais e avós para que, na noite de 24 (consoada) e o dia 25 de Dezembro estivessem junto dos seus parentes.
Uns dias antes, já estava pronto o presépio e a árvore de natal, já se reuniam alguns presentes e os condimentos alimentares que não existiam em casa para que não faltasse nada naquele dia especial. Na véspera, havia muito a fazer. As donas de casa faziam os doces e preparam os alimentos para a consoada. Já os homens passavam o dia no campo a apanhar erva para o gado ou a tratar dos animais.
Na hora da ceia, não poderia faltar as rabanadas, a aletria, as filhoses, os formigos (iguaria de pão, mel, vinho, manteiga, ovos e açúcar, recheados de pinhões, nozes e avelãs), os bolinhos de chila, o Bolo Rei, entre outras coisas.
Naquela noite reunidos à volta da mesa coberta com a mais bonita toalha, iluminados pelas candeias de azeite ou a petróleo, lá comiam as batatas cozidas com bacalhau acompanhadas pelas tronchudas.
Chegava a hora de provar os doces enfeitados com açúcar e canela que deixavam água na boca.
A lareira “cantava” de alegria com os tocos de lenha seca, adivinhava-se uma noite longa.
Os mais velhos recordavam outros tempos, contavam contos e cantavam para a família.
Os mais novos jogavam ao “rapa” com pinhões (um “pião” de madeira, em forma de paralelepípedo quadrado, em cada face com as letras “R" rapa, “T” tira, “D” deixa e “P” põe, rolava em cima da mesa e indicava o número de pinhões a jogar), jogavam às cartas, ao “par e pernão” e outras brincadeiras, até ser hora de irem para a cama, mas nunca esquecendo o sapatinho na chaminé para o Menino Jesus deixar uma prendinha.
No dia 25 bem cedo, os mais novos corriam para o sapatinho para ver o que teriam lá dentro. Todos os sapatos tinham algo.
Ao meio-dia, a comida era bem generosa e normalmente feita no forno de lenha. Desde o melhor frango da capoeira assado, carne de vaca, vitelo ou cabrito ao cozido com as sobras do porco morto lá em casa no Inverno anterior, chouriças, presunto e salpicões a acompanhar com arroz.
No final do almoço e de comerem os bolinhos da noite anterior, avizinhava-se uma tarde de animação, principalmente dentro das suas grandes cozinhas pois nessa altura havia sempre muito frio na rua.
As decorações de Natal também surgiam em alguns locais da aldeia. Mais recentemente um presépio de rua.
Era desta forma que comemoravam o nascimento de Jesus em Pias juntando sempre a família pelo menos uma vez por ano."
Altino Magalhães (https://yeslousada.pt/2017/12/24/o-natal-na-aldeia/)


« Lugar das Pias »
"Como sempre ouvi dizer "Lugar das Pias".
A palavra "lugar" aparece derivada de "locus", (latino), mas também em certos casos, derivada de Lug. Encontra-se ao mesmo tempo, em zonas diversas, de uma ou de outra origem.
A palavra "lugar" que aparece sempre ligada a "Pias", segundo Eduardo Amarante, deriva provavelmente de "Lug", divindade celta, extremamente importante, que tem como atributo "ver na obscuridade". O Deus da Luz e das trevas.
No fundo dum vale estreito, o Sol joga com este lugar às escondidas. De manhã desce lentamente pela encosta do Poente e à tarde, sorrateiramente escapa-se pela encosta voltada para o Nascente.
O conceito de lugar proveniente dos Celtas, não era um aglomerado de casas, mas um sítio onde a divindade se manifestava. Podia ser onde havia ouro ou outro metal precioso; ou abundância de água, fonte de vida e por isso também prestavam culto às águas. A "Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira", diz que o nome do Lugar das Pias teve origem nos sarcófagos arredondados pela erosão milenária, como grandes e pequenas banheiras, abertas em duros penedos, rodeados por água no verão, cobertos pela água no inverno, A mesma Enciclopédia parte do princípio que Pias foi necrópole dos romanos.
Quem se deixou refrescar e acariciar pelas águas meigas do Bestança, bebeu suas "augas" batidas e puras, nelas aprendeu a nadar desde criança...! Quem extraiu do seu ventre deliciosas trutas, bogas, barbos, escalos, nos seus dias de mansidão e generosidade, não o reconhece nos dias de fúria.
Na opinião de Joaquim Nunes, os tanques escavados nas rochas, estão ligados a uma tradição sacrifical romana, "Memória dum culto milenar".
"Aí se dirigiam em singelas procissões os crentes, a cumprir os seus votos aos deuses, praticando abluções purificadoras com sangue de bois ou de carneiros e bodes, segundo as suas posses. Primeiro, com um cutelo imolavam as suas vítimas e cremavam-nas. Lançavam as vísceras nuns tanques e o sangue noutros. Finalmente distribuíam entre si as peles das vítimas propiciatórias".
É ainda da nossa recordação, o costume de, em anos de seca prolongada, se fazerem procissões com imagens em andores até à beira do rio, para o povo implorar de Deus através dos santos, a chuva que fazia falta para as culturas. Com um ramo de oliveira, depois de mergulhado na água do rio, aspergiam os pés da imagem, fosse do Senhor de todos os Remédios, ou de São Cristóvão, ou de outra evocação.
Consideramos, diz outro autor, que estas tinas escavadas na rocha duma dureza consistente, poderão estar ligadas ao culto das águas. As águas sempre foram cultuadas, devido às qualidades terapêuticas, tanto no campo físico, psíquico, moral ou religioso. Neste caso basta lembrar as águas termais e lustrais romanas.
"Estas relações da água e do fogo encontram-se também nos ritos funerários dos Celtas. A água lustral que os druidas empregavam para afastar os malefícios, era a água na qual se apagava o tição ardente da fogueira dos sacrifícios. Quando havia um morto numa casa, punha-se à porta um grande vaso cheio daquela água lustral, trazida duma casa onde não houvesse um morto. Todos os que vinham à casa enlutada, aspergiam-se com aquela água ao sair." (Dicionário dos Símbolos Jean Chevalier e Alain Cheerbrant)"
Abel Gonçalves (http://abelgoncalves.blogs.sapo.pt/555.html)

« Água lustral »
"Chamo a atenção para o paralelismo da chamada "água lustral" que se benze no Sábado-Santo para ser utilizada no Sacramento do Batismo, realçando que durante a cerimónia, o círio pascal aceso é mergulhado na água em três impulsos, cada vez mais fundo.
Recordo também o costume de colocar uma caldeirinha com água benta aos pés da urna, com a qual todos aspergem o corpo do morto. O que ainda hoje se faz, pelo menos em algumas terras.
Que as covas das rochas, que deram origem ao nome do lugar, não tenham o destino que teve a ponte românica de que só resta o arco, muito escondido, mas aguentando bem a pesada cataplasma de cimento armado, que gente sem conhecimento ou escrúpulos, lhe colocaram às costas."
Abel Gonçalves (http://abelgoncalves.blogs.sapo.pt/lugar-das-pias-ii-1121)

« Poço Negro »
"Sempre ouvi falar deste poço, como se de um mistério se tratasse, com respeito e medo. Só alguns, os mais corajosos mergulhavam nele, atirando-se dum alto penedo, mas ninguém se atrevia a ir mesmo ao fundo. Dizia a lenda que só um, há muitos anos e que tinha entrado por uma porta que deu acesso a uma cidade maravilhosa, iluminada por uma luz deslumbrante que nunca se apagava, não havendo palavras para descrever tal encanto. Parecia, porém que ninguém estava interessado em repetir a façanha.
Esta lenda remete-nos para tempos pré-históricos. O poço aparece como um carácter sagrado e misterioso nas tradições mais antigas. Por vezes como uma síntese das três ordens cósmicas: céu, terra e inferno...
Outras vezes aparece como um microcosmos, a síntese dos três elementos: a água, a terra e o ar. Como que dá acesso a um lugar desconhecido, a uma morada de mortos. Se falamos para dentro dele, repete o que dissemos numa voz cavernosa. Se olhamos curiosos, devolve-nos a imagem, com reflexos fugidios.
O poço é símbolo do segredo, da dissimulação. O poço atrai e repele. Também significa a vida, a abundância. O poço significa ainda a sabedoria e o homem sábio. Por isso se diz que alguém "é um poço de sabedoria"."
Abel Gonçalves (http://abelgoncalves.blogs.sapo.pt/1522.html)

« Lugar visto de fora »
"Citando o "Guido de Monterey":
"Pias, a Pulcra. Uma residência majestática, que a Natureza modelou com carinhos de mãe, oferecendo-lhe delicadeza, entusiasmo e fascinação.
Local de mil características dissociadas, que vão da postura das casas, ao jeito fantasioso da Capela ereta no cume dum monte, à corrente do Bestança ritmado e fanfarrão.
Como única tendência, o misticismo de uma cantiga. Como único rumo, o belo infindo.
Pias, o perspicaz atributo duma loquacidade, que vibra ao evolar da música folclórica, ou no ritmo de um bailado de magistral concordância.
Pias, a lídima manifestação da arte natural que molda o coração e que desvaria o espírito.
Pias, a morada da beleza!
Laranjeiras que alinham e perfumam quintais, casas a latejar no meio de verde nítido...
Em baixo o forçante panorama do rio Bestança, esquartejados por lutas sem tino, revolvendo-se na contemplação da berrante euforia".
Atrevo-me a citar ainda Santana Dionísio em "Alto Douro Ignoto":
"...em seguida entramos abertamente no veleiro fundo do rio Bestança contornando a pitoresca aldeia empoleirada de Pias, berço de gente apaixonada da música, com dois competitivos grupos corais de certa nomeada."
Abel Gonçalves (http://abelgoncalves.blogs.sapo.pt/1583.html)

« Terra de magia e lendas »

"Quem nasceu e viveu aqui a sua infância na primeira metade do século vinte, não pode deixar de estar profundamente marcado pela maravilha duma Primavera de mil variedades de flores exalando um bálsamo precioso. O sabor, a frescura e a pureza das águas cristalinas das fontes, num verão quente. O nadar no Bestança ao fim da tarde. Os magustos enfarruscastes do Outono farto. O Natal à lareira no aconchego e amor, num presépio que é todo este envolvimento onde não falta o rio, a ponte, a capela, a neve!.. Fora daqui era difícil a adaptação.
Muitas vezes me perguntei porque é que esta gente não tinha tendência para emigrar? Talvez, porque o encanto era maior que a ambição!
A nostalgia da lareira, o deslumbramento da paisagem, o fascínio do ar puro, a magia das fontes, o feitiço as lendas, o cintilar dos pirilampos!... Isto e tudo mais que modelou a nossa personalidade, persegue-nos, reclama-nos, chama-nos!
Neste paraíso de inocência e felicidade que os meus olhos e ouvidos começaram a admirar e a amar, julgando que o mundo era limitado por aquelas serras onde os pinheiros bravos pareciam penetrar pelo céu azul.
Lembro-me de ter perguntado inocentemente a minha mãe: Mãe, do cimo daquele monte, com um dedo chega-se ao céu?
Não, meu filho, tu ainda és pequenino, mas quando fores grande e subires àquele monte mais alto, vais ver outros montes ainda mais altos.
Há cinquenta anos, na hora do anoitecer, Pias era uma aldeia enfeitiçada pelo aconchego dos montes, pela magia do silêncio, pelo murmúrio das águas nos ribeiros, pelo mau agouro da coruja, anunciando a morte. Quem a ouvia respondia para afastar o mau presságio: "Mau agoiro no teu coiro".
O apupo ritmado dos sapos, o cintilar da luz dos pirilampos na escuridão pesada.
As lendas das mouras encantadas que existem debaixo do Outeiro, rodeado pelas águas mágicas do rio Bestança que no inverno se enfurecia e passava por cima das pias arredondadas pelo desgaste das torrentes impetuosas que transportavam no ventre tudo o que lhes impedia o caminho.
Constava que um dia, um nosso antepassado remoto e sem nome, mergulhou até ao fundo do poço negro. Entrou por uma espécie de porta numa imaginária cidade, iluminada por uma luz intensa e aí, conduzido pela mão duma moura encantada viu coisas tão lindas como impossíveis de descrever. Nunca mais alguém desejou chegar ao fundo.
Mas, se a experiência foi tão fascinante, não se compreende porque mais ninguém a deseja fazer.
O poço continua a ser um mistério para estas gentes!
Histórias aterradoras de casas assombradas contava a tia Laura Manca, assim conhecida por ter uma perna de pau...Tinha ido em jovem para o Porto servir, e num dia fatídico, quando mandada pelos patrões tinha ido à mercearia fazer compras e um fardo de bacalhau caindo sobre ela trancou-lhe uma perna que acabou por lhe ser amputada.
Sendo uma boa cozinheira, mas com aquela limitação, teve de regressar à terra, onde vivia numa pequena mas muito limpa casa, com a mãe, a tia Cristina dos ovos que comprava e vendia, ou trocava ovos por outros géneros.
Outras histórias eram as das bruxas ou lobisomens! Homens e mulheres normais, mas que tinham de vez em quando de cumprir "aquele fado"...
Dizia-se porém, a medo, de boca em boca que a bruxa era uma conhecida pelo nome de Rosa Cartola, alta, feia e cruel. E quando aparecia uma com estas características, todos se interrogavam: "Será esta a Rosa Cartola"?"
Abel Gonçalves (http://abelgoncalves.blogs.sapo.pt/lugar-das-pias-v-1900)


« Evocação »
"Lembro-me de em pequeno, passar todos os anos, com os meus irmãos um mês de férias, na casa dos avós, numa pequena aldeia do Baixo Douro, que se avista do comboio, aninhada no vale que sobe muito direito desde o rio à cumeada longínqua da serra do Montemuro.
O cavalito do moleiro esperava-nos fora da estação. E, montados à vez, seguidos das duas mulheres que levavam as malas à cabeça, lá fazíamos os 5 quilómetros de macadame branco.
Um rabelo carregava em Porto Antigo, a velha casa de Rebolfe, com a sua chaminé estranha, continuava misteriosa e sombria, nas suas paredes sem reboco e dos poços do Bestança, na volta do outeiro, escondidos lá em baixo pela ramagem dos amieiros, só se viam nesgas de água. E, por fim, a ponte das Pias, a subida da calçada, a velha casa de cunhais de granito, com duas grandes salas em baixo, e quartos pequeninos de teto masseira, sótãos escuros debaixo do telhado, e uma grande loja fresca com toneis de vinho sempre vazios. Mas é da cozinha que conservo recordações mais precisas. A lareira com um preguiceiro carcomido, a borralheira onde cantava um grilo que nunca se via, o forno que, no dia da fornada, escancarava a boca vermelha e ardente. A gente que chegava com recados, a caneca onde se enchia o copo que bebiam, o jantar dos caseiros ou dos trabalhadores à volta da mesa, em dias de trabalho para a casa.
Pelo postigo da porta, sempre aberto, via-se passar a gente na calçada, e por ele vinham também, as novidades e bisbilhotices do lugar.
Só quando o Silva barqueiro aparecia para receber os fretes, com as ceroulas brancas atadas nos tornozelos, vermelho e pingão, já no fim da volta, trazendo consigo a aventura do rio que corria ao longo no fundo do vale, o prestígio da cozinha baixava na nossa imaginação infantil.
Caminhos íngremes, de grandes calhaus polidos, levavam-nos a aldeias lá para cima. Pelas escadas de pedra metidas nos socalcos chegávamos às uvas melhores, às nêsperas mais doces e ao Bestança que corria, cortado por açudes, com a música monótona e constante a servir de fundo às vozes do vale. Chamamentos agudos de mulher, gritos de miúdos como nós, o raro chiar dum carro, ou o canto que as moças "botavam", ao juntarem-se para irem em grupo, lá mais de cima, dos lados de Tendais, fruta ou madeira à cabeça.
Era o tempo do desbaste dos castanheiros que serviam de suporte às vides de enforcado, a morrerem com o mal da raiz. A madeira vinha até ao barco, alguma cortada em tabuões e transportada à cabeça, a maior parte em troncos puxados por bois. Desse transporte a rasto veio o sulco que muitos caminhos mostravam, a meio da largura.
O Patrício era o homem que mais admirava na aldeia. Filho de um antigo caseiro do meu avô, continuava a amanhar alguns campitos perto da povoação. Morava logo abaixo da casa, e bastava um berro para ele chegar à cozinha. Qualquer coisa que era preciso ir buscar à vila, um recado a lugares dos arredores, ele lá ia, sempre bem disposto, o chapéu de abas viradas para cima, a racha de lódão na mão. Os oito filhos que teve todos permaneceram na terra.
Da nossa aldeia via-se, lá muito longe, o casario de Alhões, e ainda mais para lá, vagamente, o pequeno muro da capelinha das Portas."
Fernando Galhano (http://abelgoncalves.blogs.sapo.pt/2075.html)

« Catástrofe »
"Quando a nossa gente do campo sorria em face do corrente ano agrícola, em um abrir de mão, vê-se em luta com a fome e com a desgraça"!
As colheitas foram por completo desbaratadas por um terrível temporal que se desencadeou sobre esta vila na tarde de ontem.
A chuva torrencial inundou e destruiu os campos, plantas e uma demorada e forte chuva de grandes pedras de saraiva veio a completar o tristíssimo quadro de destruição.
Por onde este terrível temporal passou levou tudo quanto na sua marcha destruidora encontrou.
É horrivelmente triste a vista dos nossos campos!... Tudo arrasado, destruído e perdido!
Os prejuízos são grandes, não só na agricultura, mas nas estradas, caminhos e habitações.
Não encontrei ainda o jornal com o resto da notícia, mas sei por aquilo que ouvi contar que neste dia treze de Junho, dia de Santo António, de 1898, uma grande tromba de água levou a Casa da Cruz e o caminho que era ladeado pelo ribeiro, por onde afluiu o maior volume de água.
No lugar da casa, outra foi construída. O caminho nunca foi restaurado e começou a ser usado outro, mais íngreme e com mais curvas, tal como ainda hoje se encontra pelo sítio que se chama «Ribeiro».
Pias é um lugar pequeno onde cada sítio tem o seu nome.
Começando de baixo para cima temos: a Ponte, o Ribeiro, a Azenha, o Relógio do Sol, o Campo, as Portas, o Olival Basto, o Outeiro. a Rua, o largo da Cruz, a Estrada Nova, o Cimo do lugar e ainda temos a Landeira, as Cavadas e o Senso.
Estes sítios também identificavam as pessoas: o Adelino da Ponte, a Albertina do Ribeiro,  a Silvina da Azenha, a Maria das Portas, a Augusta do Outeiro, a Cândida da Cruz, a Tereza das Cavadas, a Felisbela do Cimo do Lugar e a Arminda do Senso.
Sinfães, 14 de Junho de 1898"
Do «Comércio do Porto XLVI- Ano--- 141» (http://abelgoncalves.blogs.sapo.pt/lugar-das-pias-vii-2439)

"O meu avô contou-me que os mordomos da festa em Honra de S. António fizeram o peditório no lugar e quando bateram há porta dos moradores da Casa da Cruz, estes, recusaram-se a dar a sua oferta e pelos vistos eram gente afortunada.

No dia de S. António, caiu uma tromba de água em S. Bárbara Cinfães e o Ribeiro que passava por baixo da Casa da Cruz em Pias, arrastou-a ,com a força da corrente e deixou todos os seus haveres espalhados ao longo da suas margens.
Ainda foram encontradas à poucos anos, algumas libras em ouro que supostamente seriam dessa família.
As pessoas daquela época diziam que foi castigo porque só aquela casa tinha sido destruída."
Testemunho de uma habitante


« Capela de S. Gonçalo »
Fundada por Manuel Dias e por sua esposa Maria Francisca, conforme o seu testamento lavrado a 5 de Outubro de 1675.
Com o respectivo registo na Câmara Eclesiástica, obteve autorização para abertura ao culto a 19 de Janeiro de 1678.
Guido de Monterey, Freguesias do Nosso Encanto


« Capela do Outeiro »
A actual Capela da invocação de Nossa Senhora foi executada no ano de 1880.
Também credenciada a festa que, no terceiro Domingo de Julho, se fazia sempre na Capela do Outeiro, lugar das Pias.
Guido de Monterey, Freguesias do Nosso Encanto

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